Perspetiva geral da Casa Manuelina (Av. do Brasil, 777 4150-154 PORTO) |
Desde há décadas que me perturba o facto de se encontrar em estado de abandono e acentuada degradação aquela que é, seguramente (para muitos, pelo menos), a casa mais invulgar da marginal atlântica portuense. E que pena é que assim seja.
Este interessante exemplar de arquitetura civil, conhecido por diferentes designações - Casa do Relógio de Sol, Casa Manuelina ou, ainda, Palacete Manuelino - remonta aos inícios do século XX, marcados na historia local pelo crescente protagonismo e rápida expansão da Foz do Douro como uma das áreas mais privilegiadas e cobiçadas para fixação de residência por parte de algumas das famílias mais abastadas da burguesia portuense.
Neste contexto, sob encomenda de Artur Jorge Guimarães, Capitão de Artilharia e conhecido republicano portuense, este imponente imóvel de quatro pisos seria aqui erguido (na então denominada Avenida de Carreiros) entre os anos de 1910 e 1911, nele se evidenciando numerosos elementos exteriores de cariz nacionalista e neomanuelino.
O projeto da casa é atribuído ao arquiteto José Teixeira Lopes, filho de José Joaquim Teixeira Lopes e irmão de António Teixeira Lopes, ambos escultores de renome.
A degradação do imóvel tem causas conhecidas, que apresentarei sucintamente: após ter ficado viúva, Beatriz Guimarães, esposa do Artur Guimarães, vai viver para fora do Porto, abandonando a casa (até então) do casal, a qual passa, posteriormente, para a posse dos seus herdeiros - uma filha e três netos; na sequência do 25 de abril de 1974, a casa foi ilegalmente ocupada por um sapateiro, o qual, sem quaisquer escrúpulos, viria a apropriar-se de todo o seu recheio; quando a família retomou a posse efetiva da casa (há mais de quinze anos), já a mesma se encontrava praticamente no estado atual e despida de tudo quanto havia no seu interior, entre elementos decorativos diversos e mobiliário de época; depois sucederam-se as intrusões por parte de toxicodependentes, sem-abrigo, "vândalos" de ocasião, etc.
Subsiste o quadro que todos vemos, ao passarmos pelo n.º 777 da Avenida do Brasil.
Nos últimos anos destaca-se a placa que anuncia a venda do imóvel. Não sei quanto custará o mesmo. Não deverá estar ao alcance de muitos, já que está em causa a venda de um terreno com uma localização excecional - com acesso, também, pelas "traseiras" da casa, através da Rua de Gondarém, n.º 729 - não possuindo o imóvel qualquer estatuto legal de proteção, o que abre portas a muitos desfechos... Com efeito, em 2008 foi encerrado o respetivo processo de apreciação com vista à eventual classificação da casa por parte do IPPAR / IGESPAR, determinando-se assim, definitivamente, a sua situação de incontornável vulnerabilidade. Como se não bastasse a flagrante descaracterização da sua imediata envolvente...
Perspetiva do torreão da casa, definindo o seu 4.º piso, de planta quadrada. |
Perspetiva do emblemático relógio de sol, implantado no ângulo sul do torreão. |
Perspetiva da guarda do alpendre, em pedra talhada, no 1.º piso. |
Pormenor de um dos vários painéis de azulejos (em azul e branco) que a casa exibe, com motivos alusivos à temática dos Descobrimentos. |
Perspetiva do acesso à casa pela Rua de Gondarém: um discreto portão e um estreito logradouro, conduzindo até ao imóvel implantado à face da Avenida do Brasil. |