Arte e Natureza no espaço urbano

Arte e Natureza no espaço urbano

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A casa mais invulgar da Avenida do Brasil (Nevogilde, Porto)

Perspetiva geral da Casa Manuelina
(Av. do Brasil, 777  4150-154 PORTO)
Desde há décadas que me perturba o facto de se encontrar em estado de abandono e acentuada degradação aquela que é, seguramente (para muitos, pelo menos), a casa mais invulgar da marginal atlântica portuense. E que pena é que assim seja. 
Este interessante exemplar de arquitetura civil, conhecido por diferentes designações - Casa do Relógio de Sol, Casa Manuelina ou, ainda, Palacete Manuelino - remonta aos inícios do século XX, marcados na historia local pelo crescente protagonismo e rápida expansão da Foz do Douro como uma das áreas mais privilegiadas e cobiçadas para fixação de residência por parte de algumas das famílias mais abastadas da burguesia portuense. 
Neste contexto, sob encomenda de Artur Jorge Guimarães, Capitão de Artilharia e conhecido republicano portuense, este imponente imóvel de quatro pisos seria aqui erguido (na então denominada Avenida de Carreiros) entre os anos de 1910 e 1911, nele se evidenciando numerosos elementos exteriores de cariz nacionalista e neomanuelino. 
O projeto da casa é atribuído ao arquiteto José Teixeira Lopes, filho de José Joaquim Teixeira Lopes e irmão de António Teixeira Lopes, ambos escultores de renome. 
A degradação do imóvel tem causas conhecidas, que apresentarei sucintamente: após ter ficado viúva, Beatriz Guimarães, esposa do Artur Guimarães, vai viver para fora do Porto, abandonando a casa (até então) do casal, a qual passa, posteriormente, para a posse dos seus herdeiros - uma filha e três netos; na sequência do 25 de abril de 1974, a casa foi ilegalmente ocupada por um sapateiro, o qual, sem quaisquer escrúpulos, viria a apropriar-se de todo o seu recheio; quando a família retomou a posse efetiva da casa (há mais de quinze anos), já a mesma se encontrava praticamente no estado atual e despida de tudo quanto havia no seu interior, entre elementos decorativos diversos e mobiliário de época; depois sucederam-se as intrusões por parte de toxicodependentes, sem-abrigo, "vândalos" de ocasião, etc. 
Subsiste o quadro que todos vemos, ao passarmos pelo n.º 777 da Avenida do Brasil. 
Nos últimos anos destaca-se a placa que anuncia a venda do imóvel. Não sei quanto custará o mesmo. Não deverá estar ao alcance de muitos, já que está em causa a venda de um terreno com uma localização excecional - com acesso, também, pelas "traseiras" da casa, através da Rua de Gondarém, n.º 729 - não possuindo o imóvel qualquer estatuto legal de proteção, o que abre portas a muitos desfechos... Com efeito, em 2008 foi encerrado o respetivo processo de apreciação com vista à eventual classificação da casa por parte do IPPAR / IGESPAR, determinando-se assim, definitivamente, a sua situação de incontornável vulnerabilidade. Como se não bastasse a flagrante descaracterização da sua imediata envolvente... 
Perspetiva do torreão da casa, definindo
o seu 4.º piso, de planta quadrada. 
Perspetiva do emblemático relógio de sol,
implantado no ângulo sul do torreão.

Perspetiva da guarda do alpendre, em pedra talhada, no 1.º piso. 

Pormenor de um dos vários painéis de azulejos (em azul e branco) que
a casa exibe, com motivos alusivos à temática dos Descobrimentos. 
Perspetiva do acesso à casa pela Rua de Gondarém: um
discreto portão e um estreito logradouro, conduzindo
até ao imóvel  implantado à face da Avenida do Brasil. 

terça-feira, 16 de setembro de 2014

"Estão aí", de novo, as Jornadas Europeias do Património

Decorrendo de uma iniciativa conjunta do Conselho da Europa e da Comissão Europeia, realizam-se todos os anos, (desde 1987), em setembro, as Jornadas Europeias do Património. 
Esta ampla iniciativa anual, envolvendo os 50 Estados signatários da Convenção Cultural Europeia, tem por objetivo chamar a atenção dos cidadão europeus para a diversidade e riqueza dos bens culturais, promovendo - entre outros aspetos - a abertura de espaços e edifícios históricos habitualmente fechados ao público.
Este ano, as Jornadas são subordinadas ao tema "Património, sempre uma descoberta".
Neste contexto, permito-me destacar as iniciativas levadas a efeito, neste âmbito, na freguesia de Paranhos (Porto), designadamente pelo facto de aí ter vindo a prestar o meu contributo, desde há alguns anos, na qualidade de dinamizador de algumas das ações que compõem o programa anual das sucessivas edições do evento em causa.
Ainda nesta ótica, não poderá deixar de se registar o manifesto empenho da autarquia local na definição / concretização do programa das JEP na freguesia.
Assim, no corrente ano, saliento a realização de duas atividades, em Paranhos:
- Dia 27 de setembro (sábado), pelas 15.00 h, inauguração da Exposição de Fotografia "Paranhos, ontem e hoje: os lugares e os caminhos das águas" - Uma mostra de imagens diversificadas referentes às linhas de água que atravessavam a freguesia, bem como às estruturas concebidas para possibilitar a sua melhor utilização por parte da população.
- Dias 29 e 30 de setembro (2.ª e 3.ª feiras), pelas 10.00 h, 11.30 h, 14.00 h e 15.30 h, visitas guiadas ao Manancial de Paranhos (cisternas subterrâneas, sob o Jardim de Arca d'Água), normalmente fechado ao público e aberto excecionalmente nesta ocasião. A participação nestas visitas carece de inscrição prévia na Casa da Cultura de Paranhos (no Largo do Campo Lindo).
Ambas as iniciativas, a não perder.

Cartaz oficial das JEP 2014

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A façanha do energúmeno alcoolizado

A estátua de D. Afonso Henriques, após o ato de vandalismo
em causa (imagem retirada de www.jn.pt)
Na madrugada do passado sábado (dia 30 de agosto), em Guimarães, um indivíduo alcoolizado, integrando um grupo de jovens não muito numeroso, terá subido ao topo da estátua do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, instalada junto ao Paço dos Duques de Bragança.
Como se tal já não fosse, por si só, grave e impróprio de gente civilizada, o indivíduo optaria por se pendurar na espada da referida estátua de D. Afonso Henriques, feita em bronze, quebrando-a. Ato ilícito, lamentável e estúpido, próprio de gente pouco qualificada. Afirmam vários moradores da cidade que o indivíduo se exibia pelas principais avenidas do velho burgo, com a espada partida em punho, gritando a plenos pulmões: "Eu é que sou o rei!". A PSP encontrou-o e deteve-o, ainda nessa madrugada. 
Foi ontem presente a juiz e constituído arguido, tendo-lhe sido imposta pelo Tribunal de Guimarães a medida de coação de termo de identidade e residência, enquanto aguarda a marcação do respetivo julgamento.
Após esta audiência, saiu do Tribunal, correndo feito um louco. Bem vistas as coisas...
Tiago Freitas, 26 anos, autor confesso do ato de vandalismo, à
saída do Tribunal de Guimarães (imagem retirada de www.jn.pt)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A Romaria da Senhora D'Agonia, a "Rainha das Romarias de Portugal"

Cartaz oficial das Festas da Senhora da Agonia 2014
Estão aí as Festas da Senhora da Agonia, desta feita agendadas para os dias 20 a 24 de agosto. O programa deste ano é ambicioso e diversificado, como sempre tem sido, aliás. Viana do Castelo "não faz por menos", procurando manter a qualidade a que desde há muito nos habituou, no que diz respeito ao cartaz de iniciativas integradas na sua festa maior, com início no dia da Senhora da Agonia (celebrado a 20 de agosto), muito justamente tornado feriado local desde 1783. 
São milhares os residentes e forasteiros que se encontram nas ruas da cidade por estes dias festivos, marcando presença nos diversos eventos, quer religiosos, quer de índole "mais profana". A devoção à Senhora da Agonia ocorre desde o ano de 1751, após a entrada da respetiva imagem na Capela do Bom Jesus. Ao longo dos anos, o programa oficial destas festas viria a incluir cada vez mais componentes, tornando-se verdadeiro cartaz e símbolo da região, aliando a religiosidade e a tradição requeridas pelos romeiros a um amplo conjunto de elementos de raiz popular, mais do agrado dos foliões minhotos e dos muitos visitantes da região por esta ocasião. 
Diria que "há de tudo, para (quase) todos os gostos". 
Do programa das Festas deste ano, permito-me destacar a emblemática Procissão do Mar (dia 20), o Festival Náutico (dia 21), o Desfile da Mordomia (dia 22), o Cortejo Etnográfico (dia 23) ou, ainda, a Procissão Solene da Senhora da Agonia (dia 24). Mas muito mais há para ver, acreditem.  
... Se ainda não fomos, havemos de ir a Viana. Logo que possamos, claro está. 

Coleção de 20 pacotes de açucar, alusivos à Romaria da Senhora da Agonia, produzidos pela Delta Cafés (2014).
Uma das várias edições de pacotes de açucar que - desta como doutras empresas - têm contribuído para a divulgação de elementos patrimoniais diversos. Um exemplo a registar e a copiar. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Ruralidade I

O país real proporciona-nos, não raras vezes, algumas imagens merecedoras de registo e comentário. Nas minhas andanças pelo Alto Minho, não resisti a registar (para memória futura) algumas situações, no mínimo "interessantes", na minha perspetiva. 
Aqui ficam...

Entroncamento. Ou encruzilhada, se preferirmos. Parar é mais seguro, não vá passar algum "maluco ao volante", a alta velocidade. Também podemos parar para refletir sobre a nossa vida e sobre a nossa fé, focados no cruzeiro que se destaca no local. E, já agora, vende-se o quê? Espero que não seja o cruzeiro...

"Diz" a placa, já muito estragada: "Obras são marcas que ficam". Ainda bem que (pelo menos, para já) as obras não aconteceram naquele local. Não fossem desaparecer os campos de cultivo, as vinhas, os castanheiros...

Um retrato comum no país real que é o país rural: a idosa, evidenciando o peso dos anos e/ou a saúde possível, caminhando sozinha e devagar, estrada fora, talvez para casa, talvez até à capela, talvez até uma sombra, apenas.

Uma motorizada - em tempos, seguramente, "rainha do asfalto" - descansa à porta de casa, tal como o dono, no seu interior. Voltarão à atividade depois do almoço, creio. 

domingo, 3 de agosto de 2014

O "Crochet Sai à Rua": uma moda "viral" em Vila Nova de Cerveira, a Vila das Artes

Vila Nova de Cerveira expõe neste momento - e durante algum tempo mais (...) - um novo motivo para ser visitada e merecidamente apreciada, em cada um dos seus recantos, ruas e praças. 
Muitos dos seus edifícios, elementos de mobiliário urbano, estatuária e árvores diversas, apresentam um apreciável conjunto de peças elaboradas em crochet, na sua maioria coloridas, que as (re)vestem com surpreendente elegância e originalidade. Como só poderia ser, aliás, numa vila como esta!...
Tudo começou no âmbito da resposta coletiva dada com entusiasmo ao desafio lançado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, por ação do seu serviço de Turismo: o de cobrir alguns troncos de árvore com peças em crochet, no intuito de chamar a atenção de todos quantos passam pelo centro histórico da vila para a realização da BIA - uma mostra, bienal, de artes e ofícios tradicionais. 
Neste contexto, diversas instituições - públicas e privadas - comerciantes e habitantes locais, entre outros, empenharam-se de forma notável na conceção e aplicação dos muitos elementos produzidos em crochet e que agora embelezam a sempre simpática vila minhota, num processo absolutamente "viral", que não deixa ninguém indiferente e anima qualquer fotógrafo de ocasião. 
Ficam aqui algumas imagens obtidas no local,  num modesto contributo para a divulgação e preservação daquela laboriosa tradição secular, assim exposta publicamente.

A Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, ostentando as
suas novas "roupagens estivais" 

Árvores revestidas com crochet, no Jardim do Auditório Municipal
de Vila Nova de Cerveira (Rua 25 de Abril)

Peça escultórica de José Rodrigues ("Esforço"),
expondo revestimento em crochet

Rua Queiroz Ribeiro, integrando peças em crochet
combinadas com os seus já conhecidos guarda-chuvas
coloridos

sábado, 26 de julho de 2014

O antigo Velódromo Maria Amélia e o atual Museu Nacional de Soares dos Reis

Atrever-me-ia a afirmar que a cidade do Porto soube marcar a diferença ao longo dos tempos. Não raras vezes se destacou pelo carácter inovador de algumas das suas infraestruturas e/ou opções estratégicas (assumidas, designadamente, no quadro da sua atividade económica, social e política).
Neste contexto, uma modalidade desportiva em ascensão no decorrer do século XIX - o ciclismo - particularmente do agrado de determinadas elites sociais do meio urbano europeu (e, consequentemente, nacional) viria a induzir a criação, numa área privilegiada da cidade do Porto, de um espaço especialmente concebido para a sua prática regular. Nascia assim, no ano de 1894, na Quinta do Paço - propriedade então pertencente ao Rei D. Carlos e que incluía o "Palácio dos Carrancas" (detentor do estatuto de Paço Real) - aquele que viria a ser designado por Velódromo Maria Amélia, honrando a figura da Rainha D. Maria Amélia de Orleães, consorte do monarca reinante. O acesso ao mesmo fazia-se pela Rua de Adolfo Casais Monteiro (antiga Rua do Pombal).

Perspetiva do interior do quarteirão definido pelas ruas de D. Manuel II, do
Rosário, de Miguel Bombarda e de Adolfo Casais Monteiro. Ao centro, a
forma inconfundível do antigo velódromo, inserido no atual Jardim da Cerca,
do MNSR (imagem retirada de https://www.google.pt/maps) 

A pista de ciclismo aí concebida obedecia, à época, às regras internacionalmente impostas pela modalidade e na qual se percorria um quilómetro cumpridas três voltas à mesma. Uma volta completa dada à pista correspondia, pois, a rigorosos 333,33 metros de percurso.
O terreno em causa, como se referiu, foi doado pelo Rei D. Carlos ao prestigiado Velo Club do Porto, em 1893, antecipando as comemorações do V centenário do nascimento do Infante D. Henrique (n. 04.03.1394, Porto). O mesmo situava-se (e situa-se, ainda) nas traseiras de um magnífico imóvel neoclássico (cuja construção foi iniciada em 1795) que se encontrava na posse da Família Real desde o ano de 1861 e que viria a albergar, em 1940, o Museu Nacional de Soares dos Reis. Entre os anos de 1932 e 1939 a propriedade esteve na posse da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que a recebera na sequência da morte do antigo monarca, segundo a sua vontade.
Durante a primeira década do século XX, o Velódromo Maria Amélia destacou-se como o maior recinto desportivo da cidade do Porto, correspondendo às solicitações de um público diversificado e, sobretudo, entusiasta da modalidade. O espaço (dispondo originalmente de uma extensa bancada coberta e de três courts de ténis na sua área central) encerraria portas (em rigor, portões...) em 1910, na sequência da implantação da República e da ida do Rei D. Manuel II para o exílio.
Após várias décadas de relativa resiliência, o antigo velódromo veria ser comprometida a sua apreciável (apreciada?) integridade física, até então satisfatoriamente preservada, ainda que sem o "brilho" de outrora. Com efeito, no âmbito de uma intervenção arquitetónica aí realizada em 1992 - mediante projeto do Arq.º Fernando Távora - o Museu concretizaria a implantação de uma nova construção no local (anexa ao limite norte do edifício original), no intuito de, legitimamente, poder proporcionar um melhor serviço aos seus visitantes.
Em 2001, por sua vez, concluindo-se o projeto anteriormente iniciado, seriam ainda concretizadas duas outras construções, destinando-se a maior delas (possuidora de uma extensa fachada envidraçada), contígua ao edifício do Museu, a servir refeições ou a acolher reuniões, palestras ou festas. Intercetavam-se, assim, definitivamente, os segmentos retilíneos da antiga pista velocipédica. Restam relativamente intactos, "timidamente", os seus característicos topos curvos e em relevé, verdadeira "imagem de marca" de infraestruturas desta natureza. Como que, de certa forma, a evocar o passado nobre e singular da infraestrutura, pese embora manifestamente esquecido.
O espaço em causa corresponde, atualmente, ao Jardim da Cerca (do Palácio dos Carrancas), ou seja, a uma vasta área (ocasionalmente) utilizada para a realização de eventos e atividades diversas ao ar livre, sejam elas da iniciativa do Museu, sejam da responsabilidade de outras entidades que porventura a requisitem.
Ficam aqui algumas imagens do local, repleto de memórias do seu passado pouco conhecido, como que a sugerir uma "espreitadela" por parte dos mais curiosos...
Recomendo também, obviamente, uma visita "sem pressas" ao Museu, possuidor de coleções riquíssimas e diversificadas, bem como promotor de uma agenda ambiciosa, correspondendo aos gostos mais ecléticos.
Em jeito de comentário final, não posso deixar registar a incontornável dificuldade - também aqui evidenciada- no que concerne à compatibilização de interesses e sensibilidades várias associadas à transformação dos espaços.
Como em muitas outras situações (na vida), dever-se-á evitar adoção de posições eminentemente fundamentalistas, creio.
No caso vertente - de certa forma paradigmático, neste domínio - dever-se-á, sobretudo, confiar no bom senso, na competência e na capacidade de discernimento por parte da Direção do Museu.

Perspetiva do Átrio da Cerca, concebido no edifício inaugurado em 2001,
obtida a partir do Jardim da Cerca (área central do antigo velódromo) 
Perspetiva do topo nascente da antiga pista velocipédica, identificando-se
a respetiva curvatura em relevé, bem característica de estruturas desta natureza 
Perspetiva geral do topo nascente da antiga pista velocipédica.
O pavimento, empedrado, resulta da intervenção arquitetónica de 2001
Perspetiva de uma secção retilínea (setor sul)
 da antiga pista velocipédica 
Marco em pedra granítica, gravado em baixo relevo, exposto no local,
evocativo da fundação do Velo Club do Porto, em 1893
(imagem retirada de http://ovelocipedista.wordpress.com) 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Questão de pormenor ou erro de palmatória?

Eu prezo muito a língua portuguesa. Respeito-a e procuro não ser apanhado em falta neste domínio. 
Concordarão, no entanto, que, dependendo - entre muitos outros fatores - das funções exercidas por cada indivíduo, sejam eventualmente expectáveis e/ou toleradas algumas incorreções quanto ao uso da língua, nas suas vertentes oral e escrita. Inclusive da língua materna. 
Não concebo, todavia, que um anúncio de cariz oficial / institucional contenha um lamentável erro ortográfico, como aquele que adiante apresento. 
Com efeito, o painel informativo referente à execução de obras de reabilitação de uma escola do primeiro ciclo de S. Mamede de Infesta apresenta o seguinte texto: "INVESTIMENTO ILEGÍVEL  1 623 467,91 Euros"...
Apetece-me dizer que "é dinheiro a mais" para algo que nem conseguiram ler do que se tratava, aquando da tomada de decisão de atribuição da verba em causa. É lamentável, mormente pelo facto do erro se verificar à porta de uma escola...onde se aprende a ler e a escrever. Acho. 
Claro que o investimento em causa foi - isso sim - elegível. Ou seja, a respetiva proposta de intervenção / execução de obra reuniu condições para ser aprovada (leia-se eleita) pelas entidades competentes, tendo sido, subsequentemente, contemplada com tal verba. 
Para finalizar: em minha opinião, justificar-se-ia a aplicação de um castigo com palmatória ao(s) autor(res) do painel.
E lembro, já agora, que se a Escola (stricto sensu) é um elemento patrimonial a valorizar, também o é, seguramente, a língua portuguesa. 
Perspetiva da Escola, em fase de execução de obras de
reabilitação, promovidas pelo Município de Matosinhos
(Departamento de Investimentos e Infraestruturas Municipais).
O painel informativo em causa.
O "erro de palmatória", na terceira linha.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Antiga EFANOR, 2014: uma ruína sem futuro definido

A Empresa Fabril do Norte (ou, simplesmente, EFANOR) foi uma empresa têxtil pioneira em Portugal. Criada em 1907, destacar-se-ia pelo facto de ter sido a primeira fábrica a produzir carrinhos de linha no nosso país (linha de algodão, para coser e bordar, enrolada em "carros" de madeira). Por tal motivo, aliás, seria conhecida, também, por "fábrica dos carrinhos". Implantada na Senhora da Hora (concelho de Matosinhos, distrito do Porto), beneficiando da proximidade ao Porto de Leixões e da existência de uma linha de água no local, essencial ao desenvolvimento da sua atividade produtiva, dispunha de uma área "imensa" - com aproximadamente 15 hectares - sendo que as suas instalações integravam, para além das áreas de produção e de armazenamento, uma área habitacional (em rigor, um bairro com 69 moradias, dispondo cada uma delas de uma pequena horta e jardim), camaratas, um refeitório, uma creche e jardim de infância para os filhos dos seus trabalhadores, um complexo desportivo (composto por um pavilhão e por campos de jogos exteriores) e um corpo privativo de bombeiros, entre outros sinais de modernidade. A EFANOR terá sido, também, a primeira unidade industrial a dispor de energia elétrica em todas as suas instalações, ainda durante a década de 40 do século XX. 
A EFANOR cessou a sua atividade no local em 1994, após aí ter permanecido durante 107 anos. As suas instalações foram adquiridas pelo Grupo SONAE, no intuito de aí ser construído um condomínio (a denominada "Quinta das Sedas") e outras habitações. Após se ter procedido à demolição da maior parte das antigas instalações industriais aí existentes, preservou-se o antigo edifício social da empresa - o qual, depois de amplas obras de restauro e ampliação, viria a acolher o Colégio Efanor (estabelecimento de ensino privado, promovido pela Fundação Belmiro de Azevedo) - e, expressivamente (?), a chaminé e os edifícios, relativamente pequenos, da central de energia (albergando, ainda, um imponente motor alemão, de vinte cilindros) e da antiga tinturaria da fábrica. Foi aventada (já em 2007) a hipótese da Fundação de Serralves criar, aqui, "um edifício multifuncional, onde a arte contemporânea, o património industrial e a ligação ao mundo da moda possam ter lugar". Pelo que se pode observar atualmente no local, tal desígnio ainda está longe de ser concretizado. É pena que assim seja. Muito poderá (deverá...) ser feito, estou convicto, na ótica do respeito pela memória do local.
As cidades  (em rigor, os poderes autárquicos...) terão que encontrar soluções adequadas à alteração / requalificação dos espaços outrora ocupados pelas mais diversas estruturas e valências. Os proprietários e investidores privados, todavia, não poderão ficar alheados deste processo, nunca acabado. De ambos se exigem o bom senso e a competência técnica necessárias para levar a efeito tal empreitada. E, já agora, o bom gosto. 
Deixo-vos algumas imagens das estruturas remanescentes, na atualidade, das antigas instalações industriais da Empresa Fabril do Norte. 
Uma ruína que marca negativamente a paisagem urbana. Até quando?
Ruínas da EFANOR. Perspetiva obtida a partir da Av. da Senhora da Hora, a sul.
Ruínas da EFANOR. Perspetiva obtida a partir da Av. da Senhora da Hora, a sul.
A chaminé da antiga fábrica. Altiva, destacando-se na
paisagem, como muitas outras por esse país fora; ícone
da expansão industrial da primeira metade do século XX. 

sábado, 5 de julho de 2014

Uma questão de bom gosto (...ou de falta dele), apenas.

O Santuário de Nossa Senhora do Sameiro afirma-se, legitimamente, como o segundo maior santuário mariano em Portugal (logo após Fátima). Ao longo dos anos, tem vindo a registar uma notável ampliação e beneficiação das suas instalações, procurando corresponder às diversas (crescentes?) solicitações que lhe são dirigidas. 
Uma das mais emblemáticas construções na envolvente da Basílica do Sameiro - porquanto elemento arquitetónico e religioso mais relevante existente no Santuário - é a denominada Casa das Estampas: um espaço inicialmente concebido para proceder à venda de recordações aos peregrinos e visitantes, acolhendo, ainda, atualmente, um interessante Museu, no qual se expõem peças de natureza diversa, detentoras de apreciável relevância artística e cultural. 
A Casa das Estampas beneficiou da concretização de obras diversas de remodelação - desenvolvidas em 2004 - contemplando estas , nomeadamente, algumas alterações no seu interior, bem como o restauro das suas portas e janelas e a pintura das fachadas. 
No ângulo noroeste do edifício (construído na primeira metade do século XX), sobre uma das suas antigas portas, pode observar-se um dos vários painéis de azulejo que nele se expõem, assumindo uma função mista, informativa e publicitária. 
Desativado tal acesso ao interior do edifício, viabilizou-se a colocação, no local, de uma máquina ATM (vulgo "caixa Multibanco"), com fisionomia do século XXI . A mesma não me parece "ligar" bem com a arquitetura do imóvel...por mais útil que seja o equipamento em causa (...e é). Será que só eu estranho tal opção de localização? Não "ficou muito bem no retrato" a Confraria de Nossa Senhora do Sameiro, creio. A sensibilidade estética cultiva-se e deve ser valorizada. 
Estou certo de que, "por esse país fora", existirão "milhentas" situações afins. Por vários motivos, inevitáveis, como se depreenderá. 

Casa das Estampas, Santuário de Nossa Senhora do Sameiro, Braga. 

terça-feira, 1 de julho de 2014

"Diplomacia": de novo, a II Guerra Mundial, com a temática do Património em "pano de fundo"

Merece(-me) alguma reflexão um filme bem concebido, evocando um episódio verificado hipoteticamente durante a II Guerra Mundial. A obra em causa terá passado de forma algo despercebida nas salas de cinema portuguesas. Nela se cruzam as questões éticas, o respeito e a obediência à hierarquia (decorrente, como se depreende, da exigente condição militar) e, expressivamente, as refinadas artes diplomáticas, tão delicadas quanto necessárias em contexto de guerra. 
O enredo do filme reporta-nos ao mês de agosto do ano de 1944 e à França ocupada pelas forças nazis (desde o ano de 1940). Enquanto que o exército aliado prepara a sua marcha em direção a Paris, o general alemão que governa a cidade - Dietrich von Cholitz - prepara-se para concretizar as ordens recebidas diretamente de Hitler, no sentido de destruir a capital francesa. Nesse sentido, as pontes sobre o Sena, o Palácio (e Museu) do Louvre, a Catedral de Notre Dame, a Torre Eiffel e diversos outros monumentos são armadilhados pelas forças ocupantes, perspetivando-se a sua destruição próxima. 
O cônsul sueco - Raoul Nordling - encontra-se então com von Cholitz no sentido de o demover de executar as ordens insanas de Hitler, potencialmente conducentes à morte de inúmeros inocentes, bem como à perda irreparável de alguns dos mais relevantes e emblemáticos monumentos da Humanidade. 
Aborda-se assim, de novo (à semelhança do verificado em "Os homens dos monumentos"), a questão - nem sempre valorizada - da gravidade e irreversibilidade dos danos patrimoniais associados às operações de guerra. Como todas as partes beligerantes deveriam saber (leia-se "respeitar"), nem todos os fins justificam os meios... 
Sendo verdade que o encontro entre os protagonistas do filme é ficcionado, não menos verdade será o facto de situações de tal natureza não serem inéditas, sendo conhecidas do público, não raras vezes, somente muitos anos após a sua ocorrência. Para que tal aconteça, aliás, tanto contribui o trabalho dedicado e exaustivo dos mais reputados historiadores quanto (embora mais ocasionalmente) os "frutos do acaso" ou as "revelações" tardias de alguns dos intervenientes diretos em distintos episódios de guerra. 
...Voltando ao filme: vejam-no, se puderem (já que, tendo estreado em Portugal a 24 de abril, já saiu das salas de cinema). 
Para despertar a curiosidade e o interesse no filme, deixo o respetivo trailer, legendado em português. 


Em alternativa, o respetivo link.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Sobre o S. João, festa maior do Porto

Cartaz oficial das Festas da
Cidade (Porto) 2010, CMP. 
As festas sanjoaninas estão aí, de novo. 
Ano após ano, estas parecem ser das poucas festas populares que resistem ao correr dos tempos e, sobretudo, às múltiplas alterações associadas à expansão do modo de vida urbano, com tudo o que daí advém no âmbito da adulteração e/ou desaparecimento de algumas tradições locais, de natureza e expressão diversas. 
Longe vão os tempos, no entanto, em que a noite sanjoanina era, sobretudo, marcada pela animação proporcionada pelas numerosas rusgas (mais ou menos organizadas e bairristas) que percorriam a cidade até ao nascer do sol; pelo alho-porro, usado para bater na cabeça das pessoas que se cruzavam nas ruas apinhadas de gente; pelos ramos de cidreira (agradavelmente perfumados), mais usados pelas mulheres, para "provocarem" os homens, tocando-lhes graciosamente com eles no rosto; pelas múltiplas fogueiras, animando a noite fria e húmida e desafiando os mais corajosos a saltarem-lhes por cima, escapando incólumes às altas labaredas ou, ainda, pelo ritual aconchegante de comer pão quente (acabado de fazer) com manteiga, acompanhado de café com leite, às primeiras horas da madrugado do dia 25 de junho. 
Sim, os tempos mudaram... 
Felizmente, os festejos de S. João - e, em particular, os da noite do dia 24 - mantêm, ainda, muitos dos seus (outros) elementos mais característicos: o lançamento de balões de ar quente, sob a orientação de "técnicos experimentados" ou de "ajudantes de ocasião"...; as ruas enfeitadas e coloridas, seja por ação do Município, seja pela iniciativa dos seus mais dinâmicos e orgulhosos moradores; os bailaricos populares, "convidando" todos os foliões para um animado "pé de dança" com parceiros regulares ou "nem por isso"; o deslumbramento proporcionado pelo lançamento de diversos fogos de artifício, colorindo os céus da cidade; os vasos com manjerico, ostentando pequenas quadras populares escolhidas a preceito; as cascatas, quais "presépios estivais", expondo com apreciável rigor e mestria elementos diversos das paisagens rurais e urbanas ou, ainda, a sardinha assada, os pimentos, a boroa e o caldo verde, acompanhados de bom vinho tinto, numa perfeita combinação de sabores... 
Os anos 60 do século XX, por sua vez, trouxeram a "praga" dos martelinhos de plástico, tornados ícone da modernidade sanjoanina e "fazendo a alegria" dos mais novos. E temos (?) de (con)viver com isso, creio.
Atualmente, o S. João faz-se de um pouco de tudo isto...
...Espero que por muito tempo.
Por hoje, deixo-vos com uma imagem de S. João, numa representação "algo distante" daquelas a que estamos mais habituados a ver por esta ocasião. Simplesmente, porque gostei dela. 
Voltarei ao tema, seguramente... 
São João Baptista. Obra de Diogo de Contreiras.
Óleo sobre madeira de carvalho. Escola Portuguesa, circa 1550.
Coleção do Museu de Évora. 

sábado, 14 de junho de 2014

O Centro Histórico de Viseu e o "renovado" interesse pela cidade da Beira Alta

Viseu, a "melhor cidade para viver", de 
acordo com os resultados de estudos 
de opinião realizados pela DECO, em 
2007 e 2012. 
Viseu está a fazer-se notar (mais e melhor) todos os dias. Sabiamente, também ela soube destacar um conjunto de aspetos patrimoniais diversificados, para melhor se dar a conhecer e reclamar a importância que lhe é devida. 
Em abril último, o Município de Viseu deu início ao processo de candidatura do Centro Histórico de Viseu a Património da Humanidade, beneficiando do envolvimento da comunidade local relativamente a esta ambiciosa aposta, potenciadora de inúmeras mais-valias para a cidade. 
A tarefa, todavia, não se afigura fácil, sendo previsivelmente longa a caminhada a efetuar até à obtenção de estatuto idêntico ao alcançado - muito justamente, aliás - por cidades como Angra do Heroísmo, Coimbra, Évora, Guimarães ou Porto, entre outras.
Desde já, não posso deixar de salientar toda a dinâmica implementada em torno da elaboração do respetivo processo de candidatura para apresentação à UNESCO, porquanto concretizou, por si só, uma estreita colaboração entre diversas instituições - públicas e privadas - investigadores das mais variadas áreas e, seguramente, muitos viseenses "anónimos", movidos por uma causa comum. 
Certo é, creio, que a cidade (de Viseu) e o país em muito beneficiarão da atribuição de tal distinção pela UNESCO. A concretizar-se tal expectativa, ganharão os seus habitantes, o seu património edificado, as suas tradições e, seguramente, todos nós. Dessa forma, ficaremos naturalmente (mais) orgulhosos, embora também - nunca nos podendo esquecer de tal... - mais responsabilizados pela imperiosa necessidade de preservarmos as riquezas e especificidades locais, "a cada dia que passa" mais expostas aos olhos do mundo. Esperarei para ver o resultado de tal desígnio... 
Desde já, sugiro a visualização de um pequeno vídeo, produzido pelo Município de Viseu, promovendo  a cidade e a região com apreciável criatividade... 


Em alternativa, o respetivo link. 

...E, ainda, um outro vídeo (muito bem) concebido pelo Jornal de Notícias, apresentado publicamente na conferência "Para que serve um sítio Património da Humanidade?", realizada em Viseu no dia 17 de abril de 2014, aquando do lançamento da candidatura da cidade à obtenção de tal distinção pela UNESCO. 


Em alternativa, o respetivo link. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Anúncios comerciais evocam uma Évora de outros tempos...

Deu bastante que falar em Évora, na semana passada, uma "descoberta" casual e surpreendente, verificada sob as arcadas dos edifícios existentes nas ruas que convergem para a emblemática Praça do Giraldo. 
Com efeito, no âmbito da concretização de um cuidado programa de limpeza e de recuperação do Centro Histórico, desenvolvido desde abril pela Câmara Municipal de Évora, alguns funcionários da autarquia deram início à raspagem da cal que revestia as paredes e abóbadas das numerosas arcadas que muito justamente se constituíram como "imagem de marca" da arquitetura local. 
Para espanto de muitos - ...se bem que, talvez nem tanto para os mais antigos habitantes da cidade - esta intervenção de carácter simples viria a expor, de novo, um apreciável conjunto de inscrições antigas, de índole publicitária, identificativas de diversos ofícios e estabelecimentos comerciais outrora aí instalados. 
Tais anúncios, datados, na sua maioria, de meados do século XX, dão-nos a conhecer algo mais relativamente à evolução da atividade comercial na cidade, bem como, por outro lado, à tipologia e padrões estéticos das artes gráficas então aplicadas à publicidade. 
Assim, passo a passo sob estas arcadas, protegendo-nos do sol intenso no verão quente que caracteriza a cidade e a região, podemos "dar um saltinho ao passado" e imaginar, de certa forma, como seriam os quotidianos de outros tempos. Sim, porque a história e o conhecimento dos lugares também se fazem de pequenas coisas. 
A Câmara Municipal de Évora - ciente do seu papel no âmbito da preservação de elementos patrimoniais de natureza distinta - irá proceder à análise destas marcas do passado, verificando, em rigor, quais são as inscrições recuperáveis, entendidas como uma mais-valia para a Praça do Giraldo e para a cidade. E, tendo as arcadas um uso público, a autarquia assume todos os custos da requalificação das estruturas em causa. 
Fica, pois, o bom exemplo. A condizer, aliás, com o estatuto de Património Mundial, atribuído pela UNESCO ao Centro Histórico de Évora, em 1986. 

Perspetiva das arcadas da Rua da República.
Arcadas da Rua da República (pormenor).
Arcadas da Rua da República (pormenor). 
Arcadas da Rua João de Deus (pormenor). 

domingo, 18 de maio de 2014

O Estado, os Municípios e a cobrança do IMI nos Centros Históricos

Justificam-se estas linhas pelo facto de terem vindo recentemente a público, através da comunicação social, algumas notícias referentes a tomadas de posição - "mais ou menos concertadas" - por parte de algumas câmaras municipais, no sentido de exigir à Autoridade Tributária o cumprimento da lei que determina a isenção automática do IMI aos proprietários de imóveis localizados nos centros históricos classificados. Évora, Porto, Guimarães e Sintra (por ora) são exemplos de autarquias que já tomaram uma posição de força relativamente a esta matéria, pressionando o Governo e o Ministério das Finanças no sentido de eliminarem as situações de incumprimento da lei entretanto detetadas. 
O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) incide, recorde-se, sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam (cf CIMI, Cap. I, Art.º 1.º). 
O CIMI - Código do Imposto Municipal sobre Imóveis - entrado em vigor a 1 de dezembro de 2003 (tendo substituído a anterior Contribuição Autárquica), na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro, estabelece, no entanto e apenas, que estão isentos de IMI "o Estado, as Regiões Autónomas e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos (...), bem como as autarquias locais e as suas federações e associações de municípios (...)."
Desta forma, será (apenas) no Estatuto dos Benefícios Fiscais - DL n.º 215/89 de 1 de julho, revisto pelo DL n.º 198/2001 de 3 de julho - que se encontrarão as disposições legais que determinam um amplo conjunto de situações de isenção relativamente à aplicação / cobrança deste imposto. 
No âmbito da questão aqui tratada, destaco o facto de que, de acordo com a alínea n) do n.º 1 do Art.º 44.º do EBF, os prédios que, nos termos da legislação aplicável, sejam classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, gozam de isenção de IMI. Refira-se, ainda, que a isenção "é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efetuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I.P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos."
Os imóveis situados em centros históricos integrados na Lista do Património Mundial da UNESCO (e, por inerência, classificados como Monumento Nacional, nomeadamente conjuntos ou sítios) beneficiam, por esta via, de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis. 
Alguma "desinformação" e ambiguidade decisória - concretizada, designadamente, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira - têm marcado (negativamente) o acesso a este benefício fiscal. Com efeito, desde 2009 que começaram a registar-se situações de indeferimento de novos pedidos de isenção, por parte de alguns serviços locais de Finanças, em municípios como Évora, Porto, Guimarães ou Sintra. Curiosamente (pelo menos relativamente a Évora), terão sido mantidas as situações de isenção de IMI para quem as requereu anteriormente. Verifica-se, assim, a aplicação de forma diferenciada da mesma Lei no território nacional. O que, como se compreenderá, não pode acontecer. 
A isenção do IMI nos centros históricos classificados é, na minha perspetiva, claramente justificada. Grosso modo, poderá ser entendida como uma "medida compensatória" das múltiplas restrições a que os imóveis aí  existentes estão sujeitos, face à maior exigência dos processos urbanísticos nestes territórios. 
Em boa verdade, temos que reconhecer que, em tais áreas: 
- vigoram condicionalismos vários à concretização de alterações estruturais / arquitetónicas e funcionais do património edificado; 
- verificam-se importantes restrições à circulação rodoviária e ao estacionamento de veículos; 
- os edifícios (habitacionais e outros) não dispõem, frequentemente, de garagens e/ou ascensores (bem como de outras "comodidades"), comuns em áreas urbanas de construção (mais) recente; 
- regista-se uma apreciável atividade turística, frequentemente geradora de fatores de perturbação dos quotidianos dos seus residentes, afetando os períodos comuns de descanso da população, bem como - não raras vezes - as condições de limpeza e/ou de segurança pública locais; 
- a isenção de IMI constitui um eficaz instrumento fiscal utilizado, também, na captação de investimento privado para as operações de reabilitação urbana, geradoras de mais-valias diversas; 
- (...). 
Creio ter sido claro e objetivo, apresentando algumas razões pelas quais defendo a isenção de IMI relativamente a todos os Centros Históricos classificados. Desta forma poderão ser efetivamente apoiados proprietários e investidores, promovendo-se o repovoamento de tais áreas e revitalizando-se a atividade económica local. 
E assim, também, residentes e empresas aí instaladas poderão constituir - cada um à sua maneira - um elemento insubstituível no quadro das ambicionadas preservação e valorização de um património que, sendo seu, é também de todos. 
E o país agradece. 
Invólucro Mensagem da Autoridade Tributária (imagem parcial do exterior), contendo informação referente ao IMI anual
Municípios exigem redução do IMI nos centros históricos (notícia CMP)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A "quase" Capela do Espírito Santo

Ocasionalmente, os elementos patrimoniais arquitetónicos que se expõem "aqui e acolá" levam-nos a questionar "milhentas" coisas: Quem determinou a sua construção? Quem ou que entidade os pagou? Com que objetivo(s) foram construídos? Quem os ergueu? Que funções e relevância tiveram? Quais as razões do estado em que se encontram? Qual poderá ser o seu futuro?... 
Esta breve introdução justifica-se - para mim, bem entendido - pelas interrogações (e - devo confessá-lo - pela profusão de sentimentos, até) suscitadas pela visita às ruínas daquela que é (sem nunca o ter chegado a ser, segundo se afirma) a Capela do Espírito Santo, implantada a meia encosta da Serra da Gávea, a escassos 10 minutos do Centro Histórico de Vila Nova de Cerveira. 
Dela subsistem, apenas e objetivamente, o pórtico de entrada, na sua fachada frontal, e dois curtos alinhamentos em pedra granítica, indiciando as suas paredes laterais nunca erguidas. Juntos, emprestam uma enigmática beleza ao local, convidando à reflexão sobre o carácter efémero das coisas e sobre as vicissitudes da vontade dos Homens. 
Sobre este local, diz-nos o Professor Doutor Carlos Brochado de Almeida: "...numa das curvas da montanha, sobranceiro à vila, lá está o Monte do Espírito Santo com o portal da capela, nunca concluída, e vestígios de uma ocupação que remontará à Idade do Bronze..."
Com efeito, observadas a partir da vila - "cá" em baixo, junto ao rio Minho - as ruínas da capela e, particularmente, o pórtico que nelas se destaca, definem a silhueta da serra e despertam a curiosidade de muitos. 
No local - com uma vista soberba sobre o rio e o mar, ao longe - despertam em alguns a vontade de aí ficar algum tempo e, porventura, aguardar o pôr-do-sol. Entendemos porquê. 
Capela do Espírito Santo: perspetiva do exterior; fachada frontal. 
Capela do Espírito Santo: perspetiva do "interior". Ao fundo, o Rio Minho e Espanha. 
Capela do Espírito Santo: pormenor da cantaria;
inscrições nas pedras que definem o ângulo sul da fachada frontal. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

As Maias: uma tradição secular

Todos os anos, em muitos lugares, na noite do dia 30 de abril (em rigor - manda a tradição - antes da meia-noite) para o primeiro dia do mês de maio, colocam-se nas portas e janelas das casas pequenos ramos ou coroas de giestas floridas, relativamente comuns, nesta altura do ano, em muitos terrenos dispersos pelas mais diversas áreas do país. 
As Maias (ou, simplesmente, giestas floridas)
giesta-brava ou giesta-das-vassouras (Cytisus scoparius), constitui a espécie vegetal mais utilizada entre nós, para este efeito. As suas designações mais comuns traduzem, assim, por um lado, o contexto paisagístico em que a mesma surge (frequentemente, em matos e terrenos baldios), bem como, por outro, aquela que é (era...) uma das suas mais populares utilizações. 
As Maias, como também são chamadas nesta altura do ano as giestas floridas (por referência ao mês que se inicia), emprestam às ruas das cidades, vilas e aldeias um colorido alegre e primaveril. 
Este costume – em rigor, um ritual, com séculos de existência, partilhando raízes sagradas e profanas – servirá, segundo se afirma, tanto para honrar o amor, saudar a natureza e celebrar o novo ciclo agrário, como para afastar “com sucesso” o Demónio e os “maus-olhados” e esconjurar as forças do Mal. 
Noutras regiões do país, também no primeiro dia do mês de maio, os mais novos iam (…será que ainda vão?) de casa em casa a cantar e a pedir dinheiro, levando consigo e enfeitando-se com giestas floridas. 
Parece-me oportuno lembrar, também, o facto das giestas, depois de terem sido colhidas pelo pé e deixadas secar à sombra, poderem ser unidas e atadas com vimes, sendo então utilizadas como vassouras, particularmente úteis aos lavradores de antigamente, por exemplo, para a limpeza das eiras e para a recolha do grão aí disperso, após a realização das desfolhadas e das malhadas tradicionais. Também esta interessante serventia doméstica dada às giestas terá caído em flagrante desuso. Como em tantas outras situações, a primazia rapidamente atribuída (notoriamente, desde meados do século XX) aos artigos produzidos pelas mais variadas e modernas indústrias – disponibilizados aos consumidores, a um custo atrativo – viria a resultar no quase total desaparecimento de um amplo leque de artefactos, afetos às mais variadas funções. No caso vertente, as vassouras de piaçaba e, posteriormente, as vassouras plásticas, ditaram o fim do recurso às giestas para a produção artesanal deste instrumento de trabalho da maior utilidade. 
Mudam-se os tempos...

terça-feira, 29 de abril de 2014

Uma nova sugestão de lazer (e tradição): a Rota dos Cafés com História de Portugal

Foi ontem (28 de abril de 2014) formalmente lançada uma nova "marca" do turismo e da tradição nacional: a Rota dos Cafés com História de Portugal.
Tal iniciativa pretende dar a conhecer e a valorizar um conjunto de estabelecimentos comerciais, do ramo da restauração e de bebidas, que se afirmaram aos longo dos anos - em rigor, de décadas - como espaços de convívio e de tertúlia singulares.
Esta distinção destaca, assim, o seu papel relevante no âmbito da vida social, económica e - não raras vezes - política dos centros urbanos onde se localizam e fidelizaram frequentadores, por várias gerações.
Nesta fase inicial, foram distinguidos os seguintes cafés (e estabelecimentos similares):
a Pastelaria Gomes (Vila Real), o São Gonçalo (Amarante); a Confeitaria Brasileira e o Vianna (Braga); o Milenário e o Teto de Mercúrio (Guimarães); o Aviz, o Âncora d'Ouro (ou "Piolho"), o Magestic e o Guarany (Porto); o Santa Cruz (Coimbra); o Paraíso (Tomar); a Versailles, o Martinho da Arcada, a Brasileira do Chiado, o Nicola, o Bérnard, a Pastéis de Belém e a Confeitaria Nacional (Lisboa); o Alentejano (Portalegre); o Cadeia Quinhentista (Estremoz); o Arcada (Évora) e o Calcinha (Loulé).
Pela minha parte, pese embora não me assumindo como alguém "absolutamente dependente de cafeína" - sabendo-se que os há por aí, todavia... - não deixarei de visitar estes cafés, quando me encontrar na sua vizinhança. Sugiro que façam o mesmo, desfrutando de momentos potencialmente agradáveis e apoiando a economia local.
Ainda no âmbito desta temática, considero oportuno referir que, desde há alguns anos, aprecio o café - a bebida, claro está - sem açucar. Tal como este deve ser consumido, aliás, conforme afirmam os entendidos na matéria.
Cartaz "oficial" do lançamento desta iniciativa, em evento realizado no Café Santa Cruz (Coimbra).

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A Páscoa reinventada, na modernidade das Visitas Pascais

...Calma! Sei que a Páscoa, na sua essência, ainda é o que sempre foi e deve continuar a ser: um período de reflexão, de reconciliação e de alegria. Os católicos sentem-no de forma especial, como sabemos. As igrejas enchem-se de fiéis eventualmente mais arredados da eucaristia; os sacerdotes são mais solicitados para celebrarem o sacramento da Confissão; os crentes encontram uma motivação especial para se reconciliarem com todos aqueles com os quais se encontram desavindos...
A Visita Pascal - ou, simplesmente, o Compasso - constitui a expressão visível da alegria sentida cada ano, por esta altura, por todos os católicos, celebrando, em comunhão e em ambiente festivo, a Ressurreição de Jesus Cristo.
Tradicionalmente, a Visita Pascal percorria as diversas ruas das paróquias, entrando em cada casa cuja entrada exibisse um tapete, mais ou menos elaborado, composto por diferentes elementos vegetais: ramos e folhas verdes, flores, etc. Este visita, sempre aguardada, é realizada no domingo de Páscoa ou (sobretudo em meios rurais) na segunda-feira seguinte. Por vezes, na noite do sábado de Aleluia, o ribombar do fogo de artifício antecipa a festa que se viverá no dia seguinte.
Os últimos anos têm trazido alguma inovação à festa da Páscoa no nosso país e, em concreto, às Visitas Pascais. Padres, religiosos/as, acólitos e leigos, têm-se (re)organizado por forma a proporcionarem uma resposta mais efetiva às exigências dos tempos que correm e, muito particularmente, ao aparente comodismo e alheamento manifestado pelas populações de regiões e localidades distintas.
E, se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé.
Com efeito, registam já alguma tradição as Visitas Pascais que percorrem alguns espaços e artérias comerciais, indo de encontros a todos quantos aí trabalham ou, enquanto clientes, aí fazem as suas compras.
Fui agradavelmente surpreendido pela primeira Visita Pascal - antecipadamente anunciada - efetuada no requalificado Mercado Bom Sucesso - Urban Concept, na cidade do Porto, na tarde do domingo de Páscoa. Estiveram bem o Pároco e os paroquianos da paróquia do Santíssimo Sacramento, dando mostras de vitalidade da instituição e de empenho na sua missão.
Início da Visita Pascal ao Mercado Bom Sucesso (20.04.14)
A Visita Pascal, percorrendo os espaços do Mercado Bom Sucesso e "dando a Cruz a beijar". 
Não posso deixar de fazer referência, também, a uma outra forma - mais "irreverente", até - de concretizar a Visita Pascal. Com efeito, este foi o sétimo ano, consecutivo, em que se realizou um "Compasso Motard", em Sintra, pelas ruas das paróquias de Pero Pinheiro e de Montelavar. E foram dezenas as motos - potentes e ruidosas - que animaram os lugares atravessados, na tarde do domingo de Páscoa.
O "Compasso Motard" (foto da edição 2011, retirada de http://jregiao-online.webnode.pt)